Confissões sem sentido
(em processo)
Still: Leo Nabuco
Cachoeira de Macacau, Rio de Janeiro - 2020
(em processo)
Still: Leo Nabuco
Cachoeira de Macacau, Rio de Janeiro - 2020
sinopse
Confissões sem sentido é o novo projeto de investigação em dança do coreógrafo Bruno Levorin e tem como colaboradores o bailarino Thiago de Souza, o artista Gilmar Frausto e Leo Nabuco. Insistindo na produção de uma gestualidade menor - conjunto de relações sensório motoras que abdicam da grandeza para convocar medialidade e suspensão da finalidade - este projeto deseja se aproximar dos conceitos de símbolo e alegoria, para discutir questões voltadas a masculinidade. A pesquisa, nesse momento tem por objetivo produzir um index coreográfico de anotações e imagens, uma espécie de diário filmográfico.
Confissões sem sentido é o novo projeto de investigação em dança do coreógrafo Bruno Levorin e tem como colaboradores o bailarino Thiago de Souza, o artista Gilmar Frausto e Leo Nabuco. Insistindo na produção de uma gestualidade menor - conjunto de relações sensório motoras que abdicam da grandeza para convocar medialidade e suspensão da finalidade - este projeto deseja se aproximar dos conceitos de símbolo e alegoria, para discutir questões voltadas a masculinidade. A pesquisa, nesse momento tem por objetivo produzir um index coreográfico de anotações e imagens, uma espécie de diário filmográfico.
sobre a criação
"E então descobrimos que a linguagem está a serviço de uma coisa que sem a linguagem não se poderia reconhecer: o sopro da vida. Por isso a boa forma poética é aquela que transporta e se apaga, não aprisiona o sopro, mas o deixa correr por entre as sílabas, por entre as figuras e os ritmos, mantendo-os vivos.
Que o espírito do poeta amigo do poeta que lhe escreve tenha de investir as palavras do seu poema, significa assim que ler é uma espécie de respiração boca a boca."
"E então descobrimos que a linguagem está a serviço de uma coisa que sem a linguagem não se poderia reconhecer: o sopro da vida. Por isso a boa forma poética é aquela que transporta e se apaga, não aprisiona o sopro, mas o deixa correr por entre as sílabas, por entre as figuras e os ritmos, mantendo-os vivos.
Que o espírito do poeta amigo do poeta que lhe escreve tenha de investir as palavras do seu poema, significa assim que ler é uma espécie de respiração boca a boca."
Maria Filomens Molder
ficha técnica
Coreografia e Direção: Bruno Levorin Criação: Bruno Levorin, Thiago de Souza, Gilmar Frausto e Leo Nabuco Performance: Thiago de Souza, Gilmar Frausto e Leo Nabuco Dramaturgia: Bruno Levorin Interlocução: Ignacio de Antonio Vídeo: Leo Nabucco
Folha de Sala
Bruno Levorin, São paulo, 27 de abril de 2021
Confissões sem sentido é um jeito de continuar. Continuar a sentir fome de imagem, vontade de perceber e organizar os desejos, um lugar memorial, físico e virtual para hospedar pequenas anedotas coreográficas. O "sem sentido" do título não se trata apenas de devaneios poéticos. É na busca por abandonar a arena do sentido que esse trabalho acontece. Evidente que o trabalho, se acompanhado como aqui está sugerido, cria sentido para aqueles que chegam mais perto, todavia o objetivo é que esse sentido não se encerre, não se feche, que possa ficar perdido nem que seja por alguns instantes.
Já no plural todos os sentidos são desejados. Justamente por serem muitos, mais que sete, e com o interesse de afundar em cada um e em suas potências individuais e combinatórias - por que não construir uma análise combinatória de sentidos, um anagrama de sentidos, um holograma, enigma... - que confesso precisar de mais de uma imagem para suportá-los. A noção de confissão aparece a partir disso, da necessidade em falar de muitas imagens em voz baixa, de entendê-las suportadas por uma tela de sentidos e amassá-las até encontrarem um tamanho e um lugar para poderem fugir quando quiserem.
As referências são algumas pessoais e outras não. São de lugares que vivi, outros que não mas imaginei um dia viver, e outros que nunca me atravessaram memorialmente ou na esfera das vontades, todavia por algum motivo me assombram - sobre essas tento buscar uma série de outras referências, filmes, quadros, textos, para encontrar um caminho de fala possível. Cada uma me desperta um jeito e um modo de trabalho distinto, uma aproximação específica e desenvolvimento de ferramentas para encaixar nas possibilidades que são convocadas. Às vezes os desencontros são inevitáveis, outras os encontros acontecem da forma sutil que desejo.
Assim, por enquanto, permaneço sem fim e com alguns começos.
Primeira imagem: típico
julho 2020
outubro 2020
Video: Leo Nabuco
Cachoeira de Macacau, Rio de Janeiro, 2020
Procedimento 1: O esconderijo é um lugar baixo onde não se pode ver. Vito Acconci1 já nos ensinou que as mãos carregam segredos eróticos. E já que segredos são capazes de derrubar estados, quando são eróticos fazem da queda uma grande fonte.Cachoeira de Macacau, Rio de Janeiro, 2020
Procedimento 2: Encurtar as distâncias é um passe de mágica. Um dos lados tenta correr para longe e o outro tenta chegar mais perto. Quando um decide ceder o outro foge à regra, com medo da certeza que acreditava ter. O medo é o tempo de um ponto e vírgula resistindo ser o tempo de dois pontos.
Procedimento 3: Segurar o invisível para tornar presente o plano de fundo. Orientar aqueles que veem ao engano, tornar-se ilusão e desilusão no mesmo instante.
1. Vito Acconci, Undertone 1972
Coleção referêncial
A idéia dessa coleção é apresentar uma espécie de diagrama imagético por onde o trabalho circundou. Acredito que apresentar as referências que utilizo nos processos de criação seja, além de uma afirmação ética, uma forma de estabelecer um caminho temporal mais extenso e complexo, apresentar como os conceitos que vibram neste trabalho ganham forma e aproximação. A vontade é mostrar uma lógica de avizinhamento.
A idéia dessa coleção é apresentar uma espécie de diagrama imagético por onde o trabalho circundou. Acredito que apresentar as referências que utilizo nos processos de criação seja, além de uma afirmação ética, uma forma de estabelecer um caminho temporal mais extenso e complexo, apresentar como os conceitos que vibram neste trabalho ganham forma e aproximação. A vontade é mostrar uma lógica de avizinhamento.
1. Imagem de escultura grega de autor desconhecido encontrada em derivas pela internet.
2. Diálogo entre os artistas Gilmar Frausto, Thany Sanches e Bruno Levorin no aplicativo Whatsapp.
3. Still do Vídeo Bollos das artistas espanholas Cabello/Carceller, 1996.
4. Jean Dubuffet (1901-1985).
5. Recorte de uma imagem de 1890 do Ballet de Saint Petersburg cujo o título é Precious Stones Pas de quatre. Na imagem aparecem as mãos da bailarina Anna Johansson e Maria Tristova.
6. Print da definição dada pelo dicionário Aurélio do termo árabe Salamaleque.
7. Livro Tristan Garcia, Vincent Normand (Eds.), Theater, Garden, Bestiary: A Materialist History of Exhibitions (Berlin: Sternberg Press; Lausanne: ECAL, 2019.
*.As imagens sem marcação correspondem ao vídeo Correspondências sem sentido - primeira imagem: típico.
Indicações para Thiago de Souza feitas por correspondência
Durante setembro e novembro de 2020, troquei correspondências e vídeos com o bailarino Thiago de Souza, experimentando dirigir a distância a movimentação da imagem que juntos tentavamos alcançar. Além desse experimento, tentei, pela primeira vez, construir procedimentos mais poéticos e não tão pragmáticos no que diz respeito à perspectiva coreográfica. Evidentemente sabia o custo interpretativo que isso iria disparar, todavia apostei na possibilidade da abertura dos signos, trazendo até nós um jardim dialógico mais preenchido de consensos, dissensos e especulação sobre a imagem e elevando as noções subjetivas.
Se em outros momentos do meu percurso como diretor busquei a precisão como palavra maestra, dessa vez quis avançar sobre a poética, sobre uma estranha coerência entre o falar da coisa e o fazer coisa. Abaixo segue uma das correspondências e um dos vídeos realizados.
setembro de 2020
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Tentar começar e terminar na mesma imagem, marcando a ideia de volta. Encontrar uma dramaturgia que confunde início, meio e fim.
Cuidado com o olhar e o tônus facial melancólico, isso pode trazer uma intencionalidade de sentido totalizante para a movimentação que ainda está sendo criado. Olhar para a câmera de vez enquanto me parece bom, podemos experimentar. Com certeza olhar mais para o que você está fazendo, para o seu próprio corpo, seu próprio gesto. A velocidade geral pode crescer tornando o movimento mais confortável e menos escorrido. A imagem que você encontrou para acelerar o movimento, batendo as costas de uma mão sobre a palma da outra, não me parece a melhor. Como ela é uma imagem forte, torná-la a mais veloz, dá a ela ainda mais força e protagonismo. Deixaria ela na velocidade zero e tentaria encontrar um acréscimo de velocidade no caminho do meio de uma outra imagem qualquer. Encontrar um grau zero tonal e brincar de aumentá-lo e diminuí-lo desassociando a expressão facial disto.
Podemos começar agora, acredito, torcer a figura. Começar com a imagem primeira com o tronco e braços para frente, orientados para a câmera e sua cintura e pernas para a lateral. Acho que isso, da metade para a frente do vídeo, pode mudar, voltando tudo para frente - podemos experimentar assim agora.
Cuidado para não deixar seu queixo subir muito, mantendo a sua cabeça no centro do seu tronco. Tenho a preferência para olhares direcionados 90 graus do chão e 45 graus para baixo. Sinto que olhares para o teto sempre passam uma imagem etérea, e como a movimentação já possui seu grau de enigma, gostaria de fazer do olhar um vetor de oposição dessa medida. Mover os olhos com a mesma natureza do resto do corpo, pensar na câmera de plano sequência dos filmes de Sokurov, principalmente A arca russa. Não buscar nada com o olhar, fazendo com que não entremos em um sentido especulativo. Na prática, diferente do mundo, o olhar não é sempre o primeiro sentido a alcançar a percepção. É como se os sentidos estivessem, constantemente, vestindo as formas que já estão no espaço e lutando para alterar as suas hierarquias.
Já temos bastante coisa para trabalhar, amigo. Fiquei pensando no som, ainda não sei dizer muito bem, mas ressoam coisas aqui. Fiquei também imaginando um espaço bagunçado, um lugar que não necessariamente foi organizado pelo homem. Tudo no espaço em ruína e/ou brotando. Para que a sua verticalidade e calma ganhe ainda mais força.
Por último tentar encontrar uma expressão que orbite menos uma noção de figura e esteja mais próximo da sensação e dessa manutenção. Encontrar uníssonos com os braços, jogando com a dissociação que já é mais frequente entre o direito e o esquerdo para causar uma sensação duracional outra. Vamos testar.
Video: Thiago de Souza
Rio de Janeiro, 2020
Segunda imagem: rito
dezembro 2020
março 2021
Video: Bruno Levorin
Cachoeira de Macacau, Rio de Janeiro, 2021
Cachoeira de Macacau, Rio de Janeiro, 2021
Para a produção dessa imagem optei por não construir procedimentos mas descrever o que sonhei e organizei para os performers. Filmamos em apenas 15 minutos pois tudo já estava bem claro na minha cabeça. Fiz alguns apontamentos para Leo sobre seu tônus e posicionei os performers nas posições que imaginei. O resto foi performado por eles seguindo a descrição que haviam, alguns minutos antes, escutado. Fizemos duas vezes a ação toda para conseguirmos os cortes e efetuar a montagem do vídeo.
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Desde que tive contato com a obra de Hudinilson Jr., contato este que produziu o trabalho "não sei por onde começar" (2019), as questões voltadas a masculinidade começaram a aflorar imageticamente no meu consciente e inconsciente. Questões memoriais profundas, questões relacionais que informaram a minha produção gestual e sensorial com outros homens, dimensões que tocam a sexualidade, o erotismo e o cuidado. Nessa segunda imagem, que apareceu para mim pela primeira vez em sonho e foi sendo esculpida com o tempo, quis, de certa forma, continuar a investigar essas interrogações que me assombram.
Despir com a vontade de proteger, engajar-se em estranhas e familiares habilidades e tocar fundo para encontrar uma assimilação de um ritmo pulsional no corpo do outro. Essas foram as três imagens que saltaram e que decidi, quase que didaticamente, indicar no vídeo - três imagens, três cortes, três tempos. Sobre cada imagem uma porção de referências que me conectam a história da pintura, desde os tempos de Caravaggio até o surrealismo, a uma dimensão coreográfica da cura, da morte, da passagem como rito, e ao cotidiano, a beleza da ação muitas vezes repetida e que nos dá sobre a banalidade o estatuto de artífices.
Despir com a vontade de proteger
Frente e verso. Retirar e cobrir. Com o mesmo pano, com o mesmo material, revelar e esconder. Quais dimensões tonais são necessárias para produzir tal ação? Um corpo mais passivo mas não completamente entregue, um peso certo de entrega e de desejo, um deixar-se ser tocado que toca como música a confiança. O outro corpo mais preciso, com menos dobras e ruídos, fazendo algo que parece já ter feito muitas vezes. A sensibilidade também toca os lugares da ativação, principalmente quando essa é acompanhada em todo o seu processo. O que quero dizer é que toda e qualquer ativação é espectral, passa por muitas luzes e cores antes de alcançar o desejo. Ativar é uma experimentação que afirma para depois perder a razão.
Cobrir a cabeça é um signo surrealista por excelência. Não há como essa ação não lembrar Os Amantes de Magritte. O beijo dado pelo casal de cabeças cobertas, cabeças essas que se confundem com a lua e o eclipse do satélite, beijo esse que sugere ser o primeiro gesto do que continuará sendo a vontade de confundir os corpos.
Engajar-se em estranhas e familiares habilidades
Desnudar uma fruta sem perder a continuidade do gesto. Esculpir a profundidade de cada corte buscando uma coerência milimétrica. Encontrar prazer na familiaridade daquilo que fazemos com certa frequência, na banalidade mais cotidiana, mais comum. Ver isso não é de todo mal. Poder assistir alguém fazer algo que parece trivial pode ser uma dádiva ou mesmo um retorno a novidade, o que é comum as crianças. Afinal é olhando para o que há de mais trivial que regulamos nossa sensação e memória. Não que haja uma régua para essas duas coisas, mas existe homeostase.
No caso da imagem que está no vídeo, a casca se torna colar. Há um conceito que adoro chamado Transubstanciação. O fenômeno católico de transformar vinho em sangue de cristo popularizou esse conceito no ocidente. Para mim, transformar a casca de uma fruta, retirada sem conjugar nenhuma separação silábica, em colar, é transformar aquilo que se costuma chamar natureza, alterando seu uso e assim seu sentido. E não é apenas transformar uma coisa em outra, mas transformar algo que parece descartável em um objeto de signo historicamente ritual.
Tocar fundo para encontrar uma assimilação de um ritmo pulsional no corpo do outro
Penetrar onde não há nenhum furo e seguir, com a pele do outro, por um lugar onde se possa escutar, com as mãos, pulsar. Ver e sentir a respiração é fonte sem fim de erotismo.
Coleção referêncial
1. Still do filme Blissfully Yours do diretor Apichatpong Weerasethakul, 2002.
2. Caravaggio, The Incredulity of Saint Thomas, 1601-1602.
3. Still do filme Late Spring de Yasujiro Ozu, 1949.
4. René Magritte, Os amantes, 1929
5. Simryn Gill, Pearls, 2005.
6. Maria Filomena Molder, Cerimónias, 2016.
*.As imagens sem marcação correspondem ao vídeo Correspondências sem sentido - segunda imagem: rito.
Terceira imagem: fruta
fevereiro 2021
fevereiro 2021
Foto: Bruno Levorin
São Paulo, 2021
São Paulo, 2021
Roteiro
primeira edição, maio 2021
Para o desenvolvimento dessa terceira imagem opitei por inicia-la a partir de um roteiro - ainda me construção - e seguir depois para o vídeo. O objetivo é experimentar mais uma maneira de mesclar as várias possibilidades de aparição de uma imagem e torna-la viva em todos os modos que ela deseja aparecer. De forma alguma a escrita aqui é compreendida como suporte ou tradução. Ela é vista como mais um forma, como mais um gesto, como mais um.
primeira edição, maio 2021
Para o desenvolvimento dessa terceira imagem opitei por inicia-la a partir de um roteiro - ainda me construção - e seguir depois para o vídeo. O objetivo é experimentar mais uma maneira de mesclar as várias possibilidades de aparição de uma imagem e torna-la viva em todos os modos que ela deseja aparecer. De forma alguma a escrita aqui é compreendida como suporte ou tradução. Ela é vista como mais um forma, como mais um gesto, como mais um.
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A face de um homem no contra luz
Ele mexe em seu penis. De dentro de sua fimose, com o dedão da mão esquerda, ele inicia a retirada de um tomate cereja com a ajuda da mão direita. Neste corte a fruta ainda não aparece todavia a desaparição do dedo esquerdo na fimose e a distorção da pele são as imagens que protagonizam.
O tronco de um outro homem
Sobre ele estão espalhados muitos tomates cerejas. Tendo como referência o umbigo, centro e distância, os tomates estão distribuídos dos ombros até a virilha em espaços proporcionais - o rosto desse performer nunca aparece. Para quem vê a imagem pela câmera, estranha os tomates e as distâncias. Em um primeiro momento não é possível identificar o que seja essas pequenas coisas que pousam sobre esse homem e que o acompanha, subindo e descendo com a sua respiração. Isso não é um problema de foco, mas um problema de contexto. Aquelas coisas não deveriam estar ali, elas não fazem sentido nesse corpo.
Homem no contra luz
Depois de retirar o tomate de dentro do seu penis - há de pensar como essa imagem será construída - este homem de face contra a luz leva com as suas mãos o tomate para o único ponto vazio do tronco do outro homem. O umbigo. Ele aperta a fruta sobre o umbigo desse outro sujeito e permanece na manutenção do gesto deixando com que o líquido da fruta, no ritmo da respiração, escorra por sobre o furo. A imagem é próxima e captura, em plano fechado, a mão e o umbigo. A intenção é apagar as formas e trazer ainda mais sensação de pequeno transbordamento.
Por enquanto, durante todo o vídeo não há som nem legenda.
*esse roteiro ainda está em processo de elaboração